Nas simplicidades delicadas das casas singelas, protegidas unicamente por ferrolhos e tramelas, a vida, sem que muitos soubessem,era mais bela!!
Um modesto pedaço de pau, protegia toda a galera, era só girar a tramela
Com um furinho e um preguinho no meio, protegia-se a casa, o armazém, a loja, o puteiro e o bugreiro
O compadre, poeta caipira, solicitou a comadre viúva que, costumeiramente,abrisse a janela para ele não quebrar a tramela, ela abriu, sorriu, no desdobramento... ela pariu
Era fácil destravar a janela, a porta ou o portão de acesso ao jardim, onde cultivávamos as flores longilíneas ou rasteiras,doadas,quase sempre, para as lindas moças faceiras
Tramela e ferrolho, ferrolho e tramela, abríamos portas e janelas no maior ato simpático, sem o artificial recurso do olho mágico
O ferrolho de aço, meticulosamente afixado, nunca impediu a abertura para o acolhimento e o abraço aquecido, na chegada de um amigo
No eclético modernismo da proteção, com o recurso magnético de um cartão, não há mais a sensualidade do destravamento olho no olho, no sentido literal ou feito com a tramela e o ferrolho
Na agradável fonética latina, brincar com a palavra fascina, a simplicidade engrandece a função, nostalgias de um tempo em que o portão com tramela e ferrolho recebia à todos,sem preguiça, com a manhosa sonoridade da dobradiça
Tramela e ferrolho, ferrolho e tramela predominavam nas trancas do campo e da cidade, destrancávamos tudo calmamente e recebíamos a vida na maior felicidade
Ferrolho e tramela, tramela e ferrolho bastavam para proteger qualquer edificação, as cercas, quando haviam, não eram elétricas, as necessidades de fechamento eram apenas para salvaguardar as intimidades
Na caixa onde se guardavam as cartas havia um ferrolhinho ou uma tramela, ninguém invadia, ninguém mexia, o conteúdo dos sonhos, uma quimera, no escaninho da alma não há trancas, ferrolhos e nem tramelas!
Raquel Anderson
Raquel Anderson